Quando sai do cinema depois de assistir o primeiro "Divertida Mente" lá em 2015, confesso que pensei: "ainda bem que não colocaram a emoção 'ansiedade', senão ela teria roubado o protagonismo da alegria". Claro, nem poderiam, estavam contando a história de uma garotinha de 11 anos e, mesmo que a ansiedade seja uma emoção presente já nesta idade, a fantasia de idealizar a alegria é muito mais forte.
Desde então, revi muitas vezes "Divertida Mente" e a cada vez que assistia, não tinha como ficar indiferente pela abordagem criativa de uma temática tão complexa sem se afastar do que nós, psicólogos, acreditamos sobre as emoções. Os produtores podem ter ignorado a teoria das 6 emoções básicas (faltou a 'surpresa') do Paul Ekman, mas as ideias mais aceitas e atuais, como das memórias e o "painel" de controle (que seria uma atividade no córtex pré-frontal, que se localiza na testa), estão na animação.
Reconheço que nós, psicólogos, acabamos nos apropriando de "Divertida Mente" e da sua estética para, didaticamente, explicar as emoções para todas as idades. Nas escolas e projetos sociais, percebi que se não falasse de "Divertida Mente" nas apresentações sobre inteligência emocional, por exemplo, estariam incompletas ou não teriam o impacto desejado com a plateia. Um dos trailers do filme já era uma pequena aula sobre as emoções.
Então, chegou o trailer do novo "Divertida Mente", a continuação inevitável do sucesso de crítica e bilheteria do primeiro. Quem estava lá roubando a cena? A ansiedade! Não é para menos, que foi o trailer mais assistindo de todas as animações da Disney!! Ah, ansiedade, eu sabia que você seria um estrondo, pois você é a emoção mais popular, comentada e falada na mídia (e nos consultórios de terapia)!
Como minha ansiedade queria se ver nas telas do cinema, preciso admitir que pela primeira vez na vida, comprei ingressos antecipados para assistir a um filme mesmo sendo um cinéfilo de carteirinha. Para quem não sabe, fui crítico de cinema com revista própria (DVD Magazine) e assistia a filmes a convite de distribuidoras e produtoras. Mas esta é outra história... Então, dois dias depois do lançamento nacional, estava eu com a família e amigos (entre eles, psicólogos também) assistindo à Divertida Mente 2.
Riley, a garotinha onde as emoções "convivem", agora está com 13 anos e prestes a entrar na adolescência. Grande parte da história passa num final de semana estendido que ela e duas amigas do colégio estarão com garotas mais velhas, todas jogadoras de hockey no gelo. O despertar para este novo momento de vida serve de gatilho para que as novas emoções sejam incorporadas ao mundo de Riley: ansiedade, tédio, vergonha e inveja.
Mais uma vez, os produtores acertaram na escolha das figuras representativas das novas companheiras da alegria, medo, raiva, tristeza e nojinho. Adorei ver o 'tédio' como alguém que não sai do smartphone. E a 'vergonha' como alguém que se esconde num moletom com capuz? Perfeitos! Talvez a 'inveja' tenha sido a mais difícil definir pela aparência, mas ok, não dá para acertar 100% em todas. Mas a grande estrela e a mais esperada não decepcionou: a 'ansiedade'.
Dublada pela Tatá Werneck, que parece a ansiedade em pessoa, ela foi a protagonista como era de se esperar. Sem dar spoilers, a cena da "crise de ansiedade" é daquelas que entrarão para a história do cinema, como tantas outras imagens icônicas que lembramos até hoje (apenas para dar um exemplo, a cena do chuveiro em 'Psicose'). Já li outros psicólogos comentarem que esta cena possa ser um gatilho para quem sofre de transtornos relacionados à ansiedade e eu não tiro razão deles. É possível. Ela foi forte até para mim que a mantenho sob controle. Terminei com lágrimas ao final dela. Só lembrá-la agora ao escrever já fico emocionado...
Para não me estender, outros 5 pontos gostaria de destacar sob olhar de um psicólogo [contém um pouquinho de spoilers, mas ninguém morre no final].
Outra emoção que apareceu, mas como "figurante" foi a nostalgia, uma senhorinha fofa. Adorei. Quem sabe ela tenha maior importância nas próximas continuações (o que torço com todas as minhas forças).
A ideia do sarcasmo. Não é uma personagem, mas foi outra solução criativa da equipe para mostrar como é complexa sua construção (ou desconstrução).
Um novo elemento importante foi apresentado, as convicções. Não comparei com a versão original, mas acredito que foi opção dos dubladores, pois tecnicamente usamos como crenças (beliefs). Fora isso, achei sensacional a forma que foram colocadas, como uma espécie de raízes a partir das memórias. Ela tem um papel de destaque no filme.
A correnteza da consciência foi outra invenção bem sucedida e que condiz com a ideia de movimento dos pensamentos e desejos conscientes.
A positividade tóxica que ficou subentendida no filme com o papel da alegria e a sua invenção para jogar para bem longe as memórias desconfortáveis. É uma crítica sutil que não passou desapercebida para um psicólogo pós-graduado em Psicologia Positiva. Achei sensacional.
Finalizando, sem dúvidas, a continuação é melhor e, certamente, terá mais sucesso que o anterior. Há espaço até para metalinguagem com a personagem "Pochete", com todo o cinema lotado gritando "pochete" para ela ajudar nossas amigas em momentos difíceis. Apesar do primeiro apresentar um mundo totalmente novo para representar as emoções, a parte 2 traz elementos mais complexos e eleva o nível de aprendizado sobre quem somos e o que passa em nossas cabeças. É claro que espero as partes 3, 4, 5, 6 e tantas outras que forem necessárias para ensinar às pessoas que as emoções são tão importantes quanto aos pensamentos.
Chega de valorizar quem é "racional" e desprezar quem é "emocional".
Diferente do filósofo: "Sinto e penso, logo existo".
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Observação final. Nestes poucos dias depois do lançamento nacional, já descobri algumas coisas que ficaram de fora, como uma cena de um possível interesse romântico de Riley (esta cena você acha na internet) e das emoções que não entraram no filme: a culpa, a admiração, a desconfiança e a vergonha. Aqui um parênteses antes de criar dúvidas. No filme, a vergonha é "embarrassment" em inglês, que seria algo mais próximo de embaraço ou constrangimento. A vergonha que ficou de fora foi a "shame", aquela que representa algo próprio, mais para autoestima (como se achar feio).
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